Nihil est quod Deus efficere non possit.

BOA-FÉ OBJETIVA E A FUNÇÃO DE INTEGRAÇÃO: SUPRESSIO E SURRECTIO NO DIREITO SOCIETÁRIO

22/10/2011 13:33

 

Com o advento do Novo Código Civil, alicerçado nos princípios da eticidade, socialidade e operabilidade, grande ressonância, tanto que consagrado na atual Codificação, obteve o princípio da boa-fé contratual, previsto no art. 422, da Codificação Civil[2].

Segundo FLÁVIO TARTUCE, “Como se sabe, o dispositivo do Código Civil em análise consagra o princípio da boa-fé objetiva. Essa seria, para nós, a soma de uma boa intenção com a probidade e com a lealdade. Desse modo, a expressão e que consta da norma, conjunção aditiva por excelência, serve como partícula de soma entre uma boa fé relacionada com intenção (boa-fé subjetiva) e a probidade”.[3]

No escólio de  TERESA NEGREIROS, “(...) Trata-se da consagração expressa do princípio segundo o qual as relações contratuais se devem pautar não apenas pela autonomia e liberdade das partes, mas igualmente pela lealdade e pela confiança”.[4]

Destarte, o art. 422, do Código Civil traz ínsito às partes de uma relação jurídica o dever de adotarem condutas probas e éticas, ou seja, “condutas guiadas pela boa-fé”.[5]

Para a adequada compreensão do princípio da boa-fé contratual – boa-fé objetiva -, a doutrina atribui ao princípio três funcionalidades: “(...) i) a função de cânone interpretativo-integrativo do contrato (art. 113); ii) a função de fonte normativa de deveres jurídicos, que podem até mesmo pre-existir à conclusão do contrato, bem como sobreviver à sua extinção (art. 422); e iii) a função de fonte normativa de restrições ao exercício de posições jurídicas (art. 187) (...)”.[6] Também conceituadas como “função de interpretação do negócio jurídico”,“função de controle” e “função de integração do contrato”.[7]

Na função de integração do contrato estão os conceitos da supressio, surrectio, tu quoque, exceptio doli, venire contra factum proprium no potest duty to mitigate the loss, que, nas palavras de LUCIANO DE CAMARGO PENTEADO, são figurares parcelares da boa-fé objetiva.[8]

No presente artigo analisar-se-á, sucintamente, a aplicação da supressio e da surrectio no Direito Societário, a partir do julgamento da Apelação Cível nº 460.980.4/1-00, proferido pela C. 1ª Câmara de Direito Privado I, do E. Tribunal de Justiça do estado de São Paulo.

Nesse julgado, relatado pelo eminente Des. Guimarães e Souza, a C. Câmara aplicou os institutos dasupressio e da surrectio para afastar a pretensão da apelante de fazer com que a apelada se abstivesse de utilizar determinado nome empresarial, com a seguinte fundamentação: “(...) a eventual tolerância alegada pela apelante em permitir que a apelada, pelo período de 4 anos, utilizasse a expressão ‘CIBELE’, gerou efeitos jurídicos pela incidência da ‘surrectio’ e da ‘supressio’, figuras parcelares da boa-fé objetiva”.[9]

No caso concreto, sob os auspícios da boa-fé objetiva, o julgado considerou que a apelante, em razão de sua inércia, renunciou ao direito de impugnar os atos praticados pela apelada, concernentes ao uso do nome empresarial sub judice. Ou seja, com a inércia de uma das partes (supressio), exsurge o direito da outra (surrectio), configurando-se facetas de uma mesma moeda.

Porém, poderia o julgado aplicar tais institutos? A resposta é positiva.

Na ensinança de FLÁVIO TARTUCE, “quanto à supressio (Verwirkung), essa significa a supressão, por renúncia tácita, de um direito, pelo seu não-exercício com o passar dos tempos”, ao passo que a surrectio(Erwirkung) “surge de um direito diante de práticas, usos e costumes”.[10] Logo, presentes uma omissão e uma ação, cada qual trazendo consequências jurídicas para as partes.

Conforme ensina Luciano de Camargo Penteado, citado no v. acórdão, “(...) A suppressio verifica-se de tal modo que o tempo implica a perda de uma situação jurídica subjetiva em hipóteses não subsumíveis nem à prescrição, nem à decadência. Trata-se de uma caducidade que tem por causa a inação prolongada em segmento temporal significativo. Não se aplica ao simples não ajuizamento de uma ação ou de uma reconvenção. Um exemplo típico é o uso de área comum por condômino em regime de exclusividade por período de tempo considerável, que implica a supressão da pretensão de reintegração por parte do condomínio como um todo. Os alemães identificam a hipótese como de Verwirküng. O seu conteúdo seria o de um direito não exercido durante lapso de tempo razoavelmente largo e que, por conta desta inatividade perderia sua eficácia, não podendo mais ser exercitado. A razão desta supressão seria a de que teria o comportamento da parte gerado em outra a representação de que o direito não seria mais atuado. A tutela da confiança, desta forma, imporia a necessidade de vedação ao comportamento contraditório. Verifica-se uma proximidade entre a situação da supressio e a do venire, sendo o fato próprio, aqui, a não atuação, ou seja, um comportamento omissivo, que implica a perda do direito ao exercício da pretensão, de modo legítimo. (...) A surrectio verifica-se nos casos em que o decurso do tempo permite inferir o surgimento de uma posição jurídica, pela regra da boa-fé. Normalmente, é figura correlata à suppressio. A surreição consistiria no surgimento de uma posição jurídica pelo comportamento materialmente nela contido, sem a correlata titularidade. Como efeito deste comportamento, haveria, por força da necessidade de manter um equilíbrio nas relações sociais, o surgimento de uma pretensão. Deste modo, por exemplo, se ocorre distribuição de lucros diversa da prevista no contrato social, por longo tempo, esta deve prevalecer em homenagem à tutela da boa-fé objetiva. Trata-se do surgimento do direito a esta distribuição – surrectio – por conta da sua existência na efetividade social”.[11]

No julgado, embora proteger a legislação o nome empresarial, pelas peculiaridades fáticas e tendo em vista a força do princípio da boa-fé objetiva, nas figuras da supressio e da surrectio, garantiu-se eficácia a uma situação consolidada no tempo.

Portanto, conclui-se que a função de integração da boa-fé objetiva irradia, pelas figuras parcelares –supressio, surrectio, venire contra factum proprium non potesttu quoque duty to mitigate the loss -, relevante consequência jurídica nas relações negociais, na órbita contratual e empresarial.

fonte: Injur - Flávio Tartuce
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